Aviso
UM ESCRITO INÉDITO DE MACHADO DE ASSIS
Auditório cheio. O professor Sifrônio Luccas abriu o seminário de literatura da Universidade Federal com a frase:
— Tudo que o Machado de Assis nos deixou escrito é literatura de valor universal.
Um homem de terno em desalinho e barba por fazer, ergueu-se na oitava fila da platéia e falou alto, de maneira que todos ouvissem:
— Desculpe interromper, professor, mas tenho que discordar. Nem tudo que o Machado escreveu é importante e eu posso provar – o homem acenou uma folha e girou, encarando o público que o olhava como se olhasse um maluco. – Não é uma opinião. Eu tenho um escrito inédito do escritor Machado de Assis. Posso ler para vocês.
O professor ficou curioso com a afirmação de que um texto inédito do maior escritor brasileiro aparecesse agora. Devido à maneira arrogante do intruso, ele não teve outra saída a não ser deixar o homem subir ao palco.
— Eu estou curioso e acho que todos aqui também querem tomar conhecimento destes escritos que o senhor diz serem inéditos, o que eu duvido. Não devem ter nenhum valor literário.
O homem subiu ao palco e a ele foi dado um microfone:
— Sei que todos vocês são machadianos como eu. Sei que provavelmente conhecem toda a obra do bruxo do Cosme Velho. Mas este texto eu achei dentro de um livro que comprei no sebo. Era um volume de poesia de um desconhecido, onde havia uma dedicatória para Machado de Assis. O livro pertenceu ao escritor que colocou dentro dele, sabe-se lá por que, esta folha de papel. Paguei do meu bolso um exame de grafologia e tenho o atestado de que a letra neste escrito é mesmo de Machado de Assis.
O homem mostrou a folha de papel amarelada pelo tempo. Todos esperavam, aflitos, a leitura do que chamava de “ um escrito inédito de Machado de Assis”. Ele ajeitou os óculos e leu:
Rio de Janeiro
1 camisa
3 lenços
4 pares de meia
1 toalha de rosto
1 tolha de banho
1 lençol
2 fronhas de travesseiro
1 toalha de mesa
E o homem finalizou:
— É um rol para a lavadeira. Nada machadiano — disse o homem, descendo do palco. Sem receber nenhuma palma.
MEMÓRIAS DE UM LOBO MAU
Minha tia Augusta, de 84 anos, solteirona, morreu semana passada. Antes de morrer me deu uma caderneta com anotações que fora esquecida em sua casa por um amante recente. Confesso que o fato de saber que ela transara um mês antes de morrer me chocou. Sobre o namorado minha tia Augusta apenas disse que ele se dizia um arqueólogo sexual e que era o famoso Comedor de Vovozinhas. Até então eu achava que essa figura (o tarado por mulheres provectas) era apenas uma lenda urbana, mas os escritos provam que realmente o papa-velhinhas existe. Publico aqui alguns trechos que selecionei.
1) Dona Risomar disse que tinha completado oitenta e duas primaveras. Se eu fizesse o teste de carbono 14 confirmaria sua verdadeira idade: 90 anos redondos.
– Me aperte forte – Dona Risomar pedia. E eu:
– A senhora sabe que é perigoso.
E ela:
– Dane-se a osteoporose!
2) Dona Violeta, 86 anos, na hora do “vamos ver”, balbuciava vocativos anacrônicos. De olhos fechados rangia a dentadura ao dizer coisas do tipo: “Tô no sétimo céu!”/ “Vai, vai, vai, meu Alain Delon!/“Você é papo firme! Uma brasa, mora!”/ Me foda “à media luz!”, “La barca vai partir!” E dizia que eu era batuta! Um turuna! Pra usar uma gíria do tempo dela: a velhota era bidu!
3) Doía ouvir as vovozinhas dizerem que me amariam pelo resto de suas vidas. Em alguns casos isso significava dois meses.
4) – O que você viu em mim? – Dona Manuela perguntou – Eu sei que você não está comigo por causa das minhas belas cataratas – Dona Manuela tinha humor.
5) Pedi à Dona Isolda que fizesse um strip tease. Ela tirou tudo, inclusive o par de dentaduras.
6) Foi uma briga feia. Dona Geralda atirou em mim tudo que lhe veio às mãos: panelas, jarras, pratos, a muleta canadense e o aparelho de surdez.
7) Eu entrei na lista dos que comeram Dona Vânia, uma ex-vedete do Cassino da Urca. Fui incluído na sua lista onde constavam celebridades como: Sergio Porto, Jorginho Guinle, Nelson Gonçalves, Garrincha, Jece Valadão e, pasmem! – Walt Disney.
8) Dei uma tremenda mancada e quase não rolou a transa com a Dona Catarina. Coloquei na vitrola um disco da cantora Marlene. Ela era fã da Emilinha.
9) A neta, Bia, estralando de gostosa – um tesão para quem gosta de uma Luana Piovani com 18 aninhos – deu em cima de mim, mas me mantive fiel à Dona Hortênsia. Quem tem a vovó não precisa de Chapeuzinho Vermelho.
Hoje, quando alguém diz que uma vetusta parenta morreu com um sorriso nos lábios eu vou logo pensando que se trata de mais uma vovozinha que foi comida pelo Lobo Mau.