Esta é uma reedição ampliada e ilustrada de Feliz e Orgulhoso,
Envaidecido Mesmo, que acabou de sair pela Editora Lê. Tem o prefácio do
Reinaldo do Casseta. O livro tá muito legal, é meu lado contador de histórias.
Fiquei feliz e orgulhoso, etc... Aqui uma mostra dos contos curtos que adoro
escrever.
Prefácio do Reinaldo (Casseta & Planeta)
O Nani é, sem dúvida, um dos caras mais criativos que eu conheço. O homem é uma usina de piadas, uma avalanche de ideias. Ele não para: já publicou mais de vinte livros, já desenhou umas dez mil tirinhas e milhares de cartuns. Mas, ultimamente, estou gostando muito de saborear seus textos. Porque o cara também é um escritor com E maiúsculo. Vocês podem comprovar, neste e em outros livros, que o cara é craque nos textos curtos e enxutos. Para mim, ele é uma mistura de Dalton Trevisan com Mário Quintana, só que mais engraçado e escrachado. Estou esperando os próximos livros. Que venham muitos. Parece que o sonho do Nani é chegar à marca dos 100 livros publicados. E o lançamento do centésimo, provavelmente, será no Maracanã, tipo o milésimo gol do Pelé; com muita festa e aquela coisa toda...
A Procura
Não
foi por vocação que ele se tornou caixeiroviajante. Escolheu esta profissão
porque assim poderia ir de casa em casa, de cidade em cidade, de estado em
estado, enfim, percorrer todo o País à procura de sua noiva, que fugira com
outro, para onde ninguém sabia.
Os
anos passaram. Ele gastou muita sola de sapato, percorrendo tantas cidades,
batendo a tantas portas, que até perdera a conta. Envelhecera. Sentia-se
cansado e sabia que a ex-noiva (já admitia ser ela ex) devia ter mudado muito;
mas tinha certeza de que a reconheceria, mesmo depois de tanto tempo.
— Mãe,
tem um moço aqui perguntando se a senhora quer comprar toalha de mesa — gritou
a filha para o interior da casa, de onde a mãe respondeu, também aos berros:
— Não
quero nada não. E eu não gosto de conversar com vendedores ambulantes, porque
com eles eu sempre passo pelas forcas caudinas.
—
Passar pelas forcas caudinas! — o caixeiro-viajante repetiu atônito. Tirando
alguns acadêmicos, apenas a sua ex-noiva usava aquela expressão. Sim, só podia ser
ela. Arriscou com voz insegura, chamando para o interior da casa: — Marilda...
E
aquela que foi sua noiva um dia, apareceu, vinda da cozinha.
—
Marilda, sou eu, Lauro...
Sentaram-se.
Ele contou de todas as solas de sapatos gastas, e de todas as portas a que
bateu à sua procura. Ela contou que tinha 6 filhos e um marido silencioso,
contou que não lia mais, e que ia ser avó. Ele sentiu que perdera o romantismo
e o amor, em alguma rua de alguma cidade, ou dentro de um dos tantos ônibus em
que viajou.
E
sentiu-se estúpido. Despediu-se dela, apressadamente, e foi embora com sua
mala.
— Quem
era aquele homem? — quis saber a filha.
— Meu
primeiro namorado. Fomos noivos. Abandonei- o para casar com seu pai. Ele
percorreu mais de duas mil cidades me procurando.
— Pra
quê?
— Pra me vender toalha de
mesa — respondeu a mãe, voltando para a cozinha.
O Tatuado Tatuagem
Então
era aventureiro, e gostava de viagens, e de viver perigosamente, e estivera em
guerrilhas na América Central, e foi mercenário na África, e fez contrabando no
Paraguai, e combateu contrabandistas em Mato Grosso, e foi garimpeiro e
procurou por todo o mundo sinais de extraterrestres, e alçava grandes voos dentro
da vida, e por isso levava no braço direito uma águia tatuada.
E um
dia ele atracou numa mesa de bar de onde via, em frente, no porto, os navios
chegando e partindo. Ele ficava. O mar já não lhe sugeria mistérios, não ouvia
mais os apelos das aventuras. As estradas, ele sabia, o levariam de volta
àquela mesa, àquele bar onde passava os dias bebendo e sentindo o braço direito
doer um pouco. A águia tatuada, inconformada, se debatia e tentava se
desprender de seu braço. E ela conseguiu. O homem viu, com tristeza, a águia
voar até sumir. Ele sabia que isso iria acontecer, pois o tatuador lhe dissera:
— Você não tem tatuagem, a
tatuagem é que tem você.
O Pleonasmo
A menina já falava frases inteiras. Comunicar é entrar no
mundo novo das palavras e no sentido das coisas, embora, para a criança, quanta
coisa carece de sentido! Deve ser uma vitória aprender uma palavra nova todo
dia, ou várias. O que é isso, o que é aquilo, por que isso, por que aquilo...
Os amigos de seu pai conversavam, e ela (uma garotinha, Marcela) ficava atenta.
Um dos adultos disse uma palavra da qual ela gostou: pleonasmo. Mas nada disse.
Quando, à noite, o pai entrou em seu quarto para o beijo de boa-noite, ela
disse, autoritária:
— Eu quero um pleonasmo.
O pai tentou explicar o que era, mas desistiu antes de
começar a dizer. Como explicar para uma criança de 2 anos o que era um
pleonasmo? E a filha se recusava a dormir enquanto o pai não lhe desse um
pleonasmo. A mãe entrou no meio tentando acalmar a filha, enrolá- -la, levando
a conversa para outro lado, fazer com que ela esquecesse aquilo. Não funcionou.
Marcela queria porque queria um pleonasmo, e chorava
de dar dó. O pai, num último recurso, foi até a garagem, pegou na caixa de
ferramentas uma arruela de bom tamanho (para que a filha não pudesse engoli-la)
e deu para Marcela dizendo que aquilo era um pleonasmo. A filhinha parou de
chorar, sorriu, e colocou a arruela ao lado de seu travesseiro e dormiu em paz.
Tricoteiros Anônimos
Virou moda tricotar para relaxar, evitar o estresse e unir
pessoas para bate-papos descontraídos. Uma terapia, dizem. Parece uma coisa
ingênua. Mas não é. Tanto que, no Rio de Janeiro, já existe o T.A.: Tricoteiros
Anônimos.
O T.A. atende, exclusivamente, homens que se viciam em
tricô. Estes dependentes levam suas agulhas e linhas para o trabalho e se
escondem no banheiro para tricotar blusas, gorros, meias, sapatinhos de bebê. Muitos,
tomados pelo vício, viram-se demitidos por faltarem ao trabalho. Os que tomam
consciência do problema procuram o T.A. As reuniões são como as dos Alcoólicos
Anônimos.
— Meu nome é Antonio Carlos e estou há cinco dias
sem tricotar.
Palmas.
Alguns relatam como começaram e os problemas que tiveram.
Como Luís Antonio:
— Eu andava estressado e já tinha observado que minha tia,
tricoteira, era uma pessoa calma. Então, enquanto esperava minha esposa se
arrumar para irmos a uma festa, dei meus primeiros pontos.
Foi o bastante para me ver pelo vício. Quando dei por mim, já
tinha feito um xale inteiro. Nunca mais fui a festas com minha mulher. Preferia
ficar em casa tricotando. Minha mulher arranjou um amante e me abandonou.
Arrasado, fiquei três meses fechado em casa e fiz 120 casaquinhos de neném.
Outro depoimento; este, de Waltencir:
— Só me dei conta de que era um tricoteiro quando, de
madrugada, uma de minhas agulhas quebrou e eu saí pelas ruas procurando uma
loja aberta. Não encontrei. Fui preso por tentar roubar agulhas e lã da loja de
onde era freguês.
Muitos se curam do vício. Mas é passo a passo, dia a dia...
Muitos não resistem e têm recaídas que os deixam humilhados. O tricô é a porta
de entrada para outros vícios. Muitos tricoteiros passam a fazer bainhas em
calças, depois experimentam atividades consideradas mais difíceis: tornam-se
viciados em corte e costura. Fazem saias, blusas e vestidos (de alcinha, com
corpetes drapeados, com golas japonesas, enfeitados com miçangas e bordados de
ponto cheio, ponto de cruz, consumindo linhas ilha-da-madeira, cairel,
meadinhas). Isso quando não acontece de falecerem vítimas de overdose de
sianinhas. Uma tragédia!
1 comentários:
Que Massa, Nani! Vou procurar. Tenho alguns livros seus aqui na minha biblioteca, sou fã.
Um grande abraço!
Rico
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