Aviso
A Musa
O poeta se decepcionou com sua musa e creio que até hoje não se recuperou. Ele havia feito para ela um poema que falava de rosas febris, um canário de canto solerte, um punhal de prata sobre um manto de veludo azul e frescas romãs que rimavam com pálidas manhãs.
A musa fez a lista de todos os itens contidos nos versos e avaliou-os, anotando os valores de cada um a preços de mercado. Somou e chegou à quantia quebrada de novecentos e cinqüenta dois reais e noventa centavos. Devolveu ao poeta os versos escritos, dizendo que preferia receber o poema em dinheiro.
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Cartuns para cinéfilos (18)
Lolita e Os Brutos Também Amam
Nascidos para Matar
Sangue Negro
Todos os Homens do Presidente
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Cartuns para cinéfilos (17)
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Dogville
Gladiador
O Último Samurai, O Último Americano Virgem e O Último dos Moicanos
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Um escrito inédito de Machado de Assis
Auditório cheio. O professor Sifrônio Luccas abriu o seminário de literatura da Universidade Federal com a frase:
— Tudo que o Machado de Assis nos deixou escrito é literatura de valor universal.
Um homem de terno em desalinho e barba por fazer, ergueu-se na oitava fila da platéia e falou alto, de maneira que todos ouvissem:
— Desculpe interromper, professor, mas tenho que discordar. Nem tudo que o Machado escreveu é importante e eu posso provar – o homem acenou uma folha e encarando o público que o olhava como se olhasse um maluco. – Não é uma opinião. Eu tenho um escrito inédito do escritor Machado de Assis. Posso ler para vocês.
O professor ficou curioso com a afirmação de que um texto inédito do maior escritor brasileiro aparecesse agora. Devido à maneira arrogante do intruso, ele não teve outra saída a não ser deixar o homem subir até o palco.
— Eu estou curioso e acho que todos aqui também querem tomar conhecimento destes escritos que o senhor diz serem inéditos, o que eu duvido. Não devem ter nenhum valor literário.
O homem subiu ao palco e a ele foi dado um microfone:
— Sei que todos vocês são machadianos como eu. Sei que provavelmente conhecem toda a obra do bruxo do Cosme Velho. Mas este texto eu achei dentro de um livro que comprei no sebo. Era um volume de poesia de um desconhecido, onde havia uma dedicatória para Machado de Assis. O livro pertenceu ao escritor que colocou dentro dele, sabe-se lá por que, esta folha de papel. Paguei do meu bolso um exame de grafologia e tenho o atestado de que a letra neste escrito é mesmo de Machado de Assis.
O homem mostrou a folha de papel amarelada pelo tempo. Todos esperavam aflitos a leitura do que chamava de “ um escrito inédito de Machado de Assis”. Ele ajeitou os óculos e leu:
Rio de Janeiro
1 camisa
3 lenços
4 pares de meia
1 toalha de rosto
1 tolha de banho
1 lençol
2 fronhas de travesseiro
1 toalha de mesa
E o homem finalizou:
— É um rol para a lavadeira. Nada machadiano — disse o homem, descendo do palco. Sem receber nenhuma palma.
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Cartuns para cinéfilos (16)
Cães de Aluguel
Louca Obsessão
A Mão que Balança o Berço
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Segredos do Outro Mundo
Lia e Lea eram irmãs e sempre morreram de medo de assombração. Quando crianças fizeram um pacto: nenhuma delas iria aparecer para a outra depois da morte.
Estavam bem idosas quando Lea morreu. Contrariando o pacto, Lea apareceu para Lia numa noite de chuva, dessas que os trovões discutem em voz alta e os relâmpagos, como crianças em festa, ziguezagueiam pelo céu. Lia levou um susto tão grande que, ao abrir a boca, a sua dentadura caiu. Não esperava a visita da alma da irmã, afinal, Lea descumpriu o trato que ambas fizeram quando crianças. Mas, já que Lia estava ali, toda fantasmagórica, a irmã perguntou como era o outro mundo; quis saber por que os fantasmas tinham que puxar os pés dos vivos. E Lea contou o segredo que ninguém, até então, nunca soubera:
— Ser assombração é um emprego, e a gente recebe por pé puxado.
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Cartuns para cinéfilos (15)
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Rambo
Dormindo com o Inimigo
O Náufrago
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Cartuns para cinéfilos (14)
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Prenda-me Se For Capaz
O Pagador de Promessas
Ghost, do Outro Lado da Vida
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O Pistonista
A campainha tocou. Abri a porta. Um homem baixo, de terno escuro se apresentou.
— Sou Geraldo, pistonista profissional. O senhor, por acaso, não estaria precisando de ouvir algumas músicas?
Estranhei. Era a primeira vez que um músico batia na minha porta com uma proposta desta, tão singular. Curiosamente, eu estava precisando ouvir algumas músicas. Convidei o músico a entrar. Ele entrou, sentou-se no sofá, retirou seu pistom da caixa preta e por vinte minutos me deleitou com as músicas do seu repertório e duas peças que sugeri e que ele prontamente atendeu.
Quando terminou, o pistonista guardou o seu instrumento na caixa preta.
— Quanto é? — perguntei.
— 200 reais — me respondeu.
— O senhor vai me desculpar — eu estava constrangido — mas eu só tenho 50 reais aqui comigo.
— Mais barato do que isso não pode ser — disse ele com uma delicadeza que não escondia uma ponta de gravidade. — Você sabe, eu sou um profissional, já executei o serviço.
Eu tinha que resolver o problema. Pedi ao pistonista que esperasse um pouco. Fui até o meu quarto e peguei a minha máquina de escrever. Voltei à sala e escrevi 150 reais de poemas, completando assim a quantia pedida pelo músico.
O pistonista guardou as cédulas e os poemas em sua carteira, pegou o seu pistom e se foi em busca de um novo freguês.
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Cartuns para cinéfilos (13)
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Alien, O Oitavo Passageiro
Assassinato no Expresso Oriente
Casablanca
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DE COMO LEVEI VANTAGEM NO DIA EM QUE FUI ASSALTADO
O assaltante apontou a arma para minha cabeça, e eu entreguei-lhe a carteira, o relógio e o celular. Mesmo já estando de posse de meus pertences, o canalha apertou o gatilho. Mas o revólver engasgou, e o tiro não saiu. O ladrão fugiu dizendo que eu tinha dado sorte. E, de fato, fui felizardo, mas não pelos motivos do bandido. No momento do tec metálico que a arma deu, toda a minha vida passou diante dos meus olhos, e eu vi, num pedaço desse flashback, onde estava escondido um livro do poeta Mário Quintana que eu já dava por perdido, depois de o ter procurado pela casa inteira.
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OS TRICOTEIROS ANÔNIMOS
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Virou moda tricotar para relaxar, evitar o estresse e unir pessoas para bate-papos descontraídos. Uma terapia, dizem. Parece uma coisa ingênua. Mas não é. Tanto é que, no Rio de Janeiro, já existe o T.A.: Tricoteiros Anônimos.
O T.A. atende exclusivamente homens que se viciam em tricô. Estes dependentes que levam suas agulhas e linhas para o trabalho e se escondem no banheiro para tricotar blusas, gorros, meias, sapatinhos de bebê. Muitos, tomados pelo vício, foram demitidos por faltarem ao trabalho. Os que tomam consciência do problema procuram o T.A. As reuniões são como as dos Alcoólicos Anônimos.
— Meu nome é Antonio Carlos e estou há cinco dias sem tricotar.
Palmas.
Alguns relatam como começaram e os problemas que tiveram. Como Luis Antonio:
— Eu estava estressado e já tinha observado que minha tia, tricoteira, era uma pessoa calma. Então, enquanto esperava minha esposa se arrumar para irmos a uma festa, dei meus primeiros pontos. Foi o bastante para ser fisgado pelo vício. Quando dei por mim, já tinha feito um xale inteiro. Nunca mais fui a festas com minha mulher. Preferia ficar em casa tricotando. Minha mulher arranjou um amante e me abandonou. Arrasado, fiquei três meses fechado em casa e fiz 120 casaquinhos de neném.
Outro depoimento; este, de Waltencir:
— Só me dei conta de que era um tricoteiro quando, de madrugada, uma de minhas agulhas quebrou e eu saí pelas ruas procurando uma loja aberta. Não encontrei. Eu fui preso por tentar roubar agulhas e lã da loja da qual era freguês.
Muitos se curam do vício. Mas é passo a passo, dia a dia... Muitos não resistem e têm recaídas que os deixam humilhados. O tricô é a porta de entrada para outros vícios. Muitos tricoteiros passam a fazer bainhas em calças, depois experimentam atividades consideradas mais difíceis: tornam-se viciados em corte-e-costura. Fazem saias, blusas e vestidos (de alcinha, com corpetes drapeados, com golas japonesas, enfeitados com miçangas e bordados de ponto cheio, ponto de cruz, consumindo linhas ilha-da-madeira, cairel, meadinhas. Isso quando não acontece de falecerem vítimas de overdose de sianinhas. Uma tragédia!
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Cartuns para cinéfilos (12)
Taxi Driver e A Branca de Neve
O Iluminado
O Grande Ditador
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Historias encolhidas (2)
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
O TATUADO TATUAGEM
Então era aventureiro e gostava de viagens e de viver perigosamente e estivera em guerrilhas na América Central e foi mercenário na África e fez contrabando no Paraguai e combateu contrabandistas em Mato Grosso e foi garimpeiro e procurou por todo mundo sinais de extraterrestres e alçava grandes vôos dentro da vida e por isso levava no braço direito uma águia tatuada.
E um dia ele atracou numa mesa de bar de onde via, em frente, no porto, os navios chegarem e partirem. Ele ficava. O mar já não lhe sugeria mistérios, não ouvia mais os apelos das aventuras. As estradas, ele sabia, o levariam de volta àquela mesa, àquele bar onde passava os dias bebendo e sentindo o braço direito doer um pouco. A águia tatuada, inconformada, se debatia e tentava se desprender do seu braço. E ela conseguiu. O homem viu, com tristeza, a águia voar até sumir. Ele sabia que isso iria acontecer, pois o tatuador lhe dissera: — Você não tem tatuagem, a tatuagem é que tem você.
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Cartuns para cinéfilos (11)
Onde os Fracos Não Tem Vez
Instinto Selvagem
Onze Homens e um Segredo
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Historias encolhidas (1)
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
DESPEDIDA DE SANTO
O santo queria deixar de ser santo
Para tanto, organizou uma orgia
Chamou amigos, santas e sacripantas
Para uma bacanal que duraria dias e dias.
O santo tinha feito um balanço
De seus milagres e curas
Deu saldo positivo,
Para ficar no negativo
Praticou oito coitos e nove curras.
Cansei-me de ser aquele beato
Que ao mijar no meio do mato
Faz as flores ficarem mais belas.
Que ao cagar no chão – na maior agrura –
Vem depois um leproso, pisa e o pé se cura.
Transformar água em vinho, que me interessa?
Se nem sou sommelier
Curar aleijados, fazer um cego enxergar?
Grandes coisas pra quem é do metier
Faço isso e outras causas nobres
Sem dinheiro do governo
Sem pedir voto aos pobres.
Por ser um santo remédio
Ouço o tempo todo obrigados
Por graças que dou de graça
Isso me mata de vergonha,
Morro muito mais de tédio
Juro que constrangido eu fico.
Por Deus! Meu ouvido não é penico!
E o santo brasileiro
Tão assediado pelos fiéis
Tão casto e tão com tudo
Não é mais milagreiro
Deixou os bons, não foi pros cruéis.
Foi ser normal, como todo mundo.