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O Barqueiro

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

À beira da morte... (leitor, esquece este início; vou começar este causo como se deve, do jeito mineiro) Antonio estava pisando na beira da táuba. Desenganado pelos médicos, pediu para ser cremado. A mãe disse: – De jeito maneira! Cê vai ser enterrado, como todo mundo da nossa família! – E, o moribundo Antonio foi terminar seus últimos dias em casa, ia ser enterrado em sua cidade natal, no interior de Minas.
Antonio, já em casa, ainda insistiu na cremação, mas a mãe (sem saber, falou uma frase do clássico grego Antígona: “Ocê não tem direito a impedir os meus deveres sagrados."
Antonio, que conhecia a peça de Sófocles achou aquilo engraçado e se conformou.
Em casa, em seu quarto, com a família em volta de sua cama, ele contou a história mitológica de Antígona. Todos ouviram em silêncio e ele aproveitou o silêncio para fazer um pedido carimbado com irrecusável de quem faz o último desejo à beira da morte: – Como nessa história que eu contei, eu quero que, antes de me enterrarem, vocês coloquem duas moedas sobre a minha testa, que é para eu pagar o barqueiro Caronte, um barqueiro que ta sempre enfezado; é ele que vai fazer a minha travessia do rio que vai me levar pro inferno.
– Deixa de sê bobo, Tonim, cê num vai pro inferno nada – disse sua irmã.
– Bobagem – mentiram os familiares – você ainda vai viver muito.
Quatro horas depois Antonio faleceu.
No início do velório a mãe, aos prantos, colocou as duas notas de cem reais sobre a testa do filho quando ele foi posto no caixão. “Moeda nada”, ela disse. Seu Souza, o pai, achou melhor colocar duas notas de cem dólares em vez das cédulas de reais.
– Dólar é dólar em qualquer lugar – justificou.
Tio Britaldo não quis ficar pra trás, saiu e logo depois veio com uma rodilha de lingüiça e colocou debaixo do braço esquerdo do defunto dizendo: – Lingüiça que a mamãe faz ninguém resiste. Quero ver se esse barqueiro fedazunha vai recusar.
Todos da casa concordaram em silêncio. Mais tarde, tia Violeta levantou o braço direito do morto e colocou um bem embrulhado queijo meia-cura enquanto perguntava; querendo concordância.
– Um queijinho mineiro, faz mal não, faz?
– Vou botar essa cachacinha, pra mim esse barqueiro é pinguço – disse primo Arnnaldo colocando a garrafa aos pés dos pés do falecido.
E durante o velório foram surgindo outras quitandas: doce de espelho de mamão verde, ambrosia, licor de pequi, uma cesta de pães de queijo, uma queca, meia banda de leitoa e até uma traíra de 2 quilos, pescada pelo Alípio, o vizinho da direita. Nelinho, o irmão caçula, relutou consigo mesmo entre dar ou não dar alguma coisa para agradar o barqueiro. Cedeu porque não queria ser o único da família a não ter colocado nada dentro do caixão. Meio às escondidas, colocou no bolso interno do paletó do finado o que tinha de mais valioso: a revista Playboy com a Juliana Paes.
O caixão, pesando, modo de dizer, quase uma tonelada, foi colocado no jazigo da família às 16 horas, depois da missa. Antes da meia-noite a sepultura foi violada e toda a matula saqueada; o que não chocou ninguém. Todos na cidade meio que esperavam por aquilo e suspiravam com uma ponta de inveja do profanador de sepultura:
– Se eu tivesse coragem teria feito a mesma coisa!

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